Viagem


Saiu. Sem preferência pelo caminho, o que interessava era chegar. Na estação, o ônibus talvez já estivesse à sua espera. Procurou levar o menos que pode, das malas, das horas, dos nós. Porém, da ilusão não poderia partir sem. Era um aviso. Não, na verdade era uma permissão. A ilusão era a permissão para seguir. E, mais importante ainda, para voltar. Anotou mentalmente todos os passos, quando fosse, quando voltasse. Dos passos reais, ao caminho, nada saberia. Ele não queria tomar por ignorante o pensamento de que ao cruzar o solar decrépito de sua altivez as coisas poderiam se resolver. Cruzou. Partiu mesmo sabendo, ao ignorar a ilusão no bolso da calça, que de nada adiantaria. O caminho para a estação demorou o mesmo tanto que a caminhada para encontrar a poltrona trinta e dois no corredor do ônibus. Este estava quase vazio, com exceção de um senhor que dormia na parte da frente e uma mulher mais jovem folheando uma revista na vinte e dois. Quando chegasse, arrependeria-se. Melhor ir para se arrepender do que ficar para não entender. Sentou, o cheiro repugnante de ônibus já lhe causava ânsia. A mala, deixou-a pelo caminho, já não mais interessava todo aquele pouco. Ao peito decidiu carregar a ilusão que insistia em fingir que não era levada. Na estrada esburacada seria melhor que não pensasse em mais nada além do desespero em si.
O ônibus fez somente uma parada, ninguém subiu, ninguém desceu. O calor era insuportável, as janelas abriam, porém o vento não entrava. Alguma porta mais a frente bateu, o ônibus começou a se movimentar. Seguiram, talvez em frente, se a estrada estava menos esburacada era puramente pelo costume. Deixou que as pálpebras molhadas caíssem sobre os olhos secos. Recostou a cabeça latejante na escora quente e felpuda da poltrona. Deixou, melhor que fosse, deixou-se, para reencontrar-se na volta. Porém, o maior dos problemas talvez ele nem desconfiasse, ele nem sequer tinha cogitado que aquele ônibus talvez não tivesse retorno. Ele não merecia nada menos que o inferno.

E o inferno, ele sabia, é de cada um.


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