"...cigana oblíqua e dissimulada"





Olhou-me com os olhos de dizer algo. Precipitou-se na peça contrariando o corpo. Parou, mesmo querendo conter, tirou os olhos de mim; colocou-os sobre o balcão. Retesou-se, posicionando o corpo diagonalmente contra o meu, escorado no balcão da pia. Com o branco dos olhos, olhou-me como um sem querer olhar, agora fingindo a atenção na basculante. Qualquer coisa de súplica emanou de sua mão; fechando e abrindo, fechando e abrindo. A virada repentina e exagerada de rosto para o outro lado, num gesto teatral, foi mais um jogar de cabelos molhados para o meu lado do que um ignorar a mim. Olhou para baixo, levantou a parte dianteira do pé esquerdo; a sola do tênis sujo não fez barulho ao reassentar-se no chão; sem precisar puxar a cadeira, somente indo até ela, sentou-se. O braço esquerdo fingiu-se pesado, com um estalo, caiu sobre a coxa. O direito, pelo contrário, apoiou o cotovelo na mesa, atraindo a cabeça que escorregou; fazendo com que os dedos passassem pela bochecha, subissem pelo lado da testa e invadissem o cipoal de cabelos, segregando as raízes úmidas. Levantou o dedo indicador da mão esquerda pousada na perna, sustentou por três segundos, recolocou-o no lugar. Se os olhos estavam abertos, as madeixas circundando os ombros curvados não permitiam ver; talvez, por ciúmes da visão, os fios desejavam o olfato.
Nem um minuto, e eram os pés que suplicavam; sobrepunham-se um ao outro. Começou com o esquerdo pisando fortemente sobre direito, enquanto este escapando pelo lado, atacou aquele pela parte de cima; alternada e sucessivamente, manteve a mesma atividade por cerca de sete vezes. O barulho da borracha do calçado, como se fosse das pernas das cadeiras, emergia sob a mesa. Impacientou-se com minha paciência, suspirou insensatamente, jogando os cabelos para trás anunciou um pedaço das orelhas que desesperavam ouvir. Fingindo-se ocupada, agarrou a própria caneca lilás sobre a mesa; inclinando-a, analisou dentro dela o resto do meu café frio, com mais força que o necessário, largou-a.
Num salto, ergueu-se, fixou o olhar no reflexo da geladeira. Angustiou-se com o imã torto da propaganda de gás na superfície da mesma. Endireitou-o, olhou para o canto oposto ao meu, mais ou menos para os pés da mesa em que esteve, entortou o imã novamente; mais ainda do que estava anteriormente. Retirou a mão da geladeira fria, colocando na cintura; e o rosto virado para a parte inferior da mesa iniciou uma parábola ascendente. Traçando-a, começou do chão indo até o limite do teto com a parede, acima da geladeira à sua frente. Finalizando-a, calmamente, desceu até onde eu estava, completando a segunda metade do traçado geométrico pouco calculado. Primeiro chegou o rosto, depois chegaram os olhos. Não falou nada, nem eu. Porém, de tudo que era presente, nada era silêncio. Olhou-me com os olhos de fazer afago.



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